Na cidade onde moro há ruas como nas demais cidades dos demais países. Citar-lhos-ei algumas das ruas que por aqui persistem: uma delas, onde moro, nem rua é, mas a considero como tal. É a chamada Travessa do Portinho, cheia de mexericagem e de músicas de má qualidade, umas iguarias musicais tidas como arte, uns berros de proveniência interiorana e etc. As pessoas residentes nessa travessa foram exclusivamente selecionadas por um não sei o quê de sensibilidade malévola. Há desde cachaceiro à homoafetivo, todos agrupados na coluna vertebral da Travessa do Portinho-Centro. Há a Rua da Palma que se estende desde o consumir dos viciados até a nobreza puritana do bairro. Pode-se acreditar nisso? Tanta bipolaridade numa mesma rua? De um lado o povo, os camponeses. Do outro a nobreza feudal, os semideuses.
No fim desta mesma rua há ainda eflúvios de uma nova invasão holandesa, de uma nova saqueação à Bizantina Igreja do Desterro, sem contar que todos os residentes deste setor têm direito aos espólios do Marquês de Pombal, desde as nossas pigmentações à identidade cultural, sem falar das donas cicranas que se sentam às portas na expectativa de uma novidade, de uma maledicência.
Outra curiosa rua é a de Afonso Pena, resumida somente numa ladeira, desde o céu ao “inferninho”, lugar este de muitas extravagâncias, da concentração de bêbados cantores, de prostitutas assíduas, dos fregueses emancipados e das cachimbadas dos usuários. Imagine só a riqueza que possui tal rua? É algo que lembra os arredores de um Éden enxovalhado com os seus sisudos farofeiros da Ponta D’areia.
Uma curiosidade que sempre tive em relação à cidade onde moro, São Luís do Maranhão, que perdeu tal nomeação para a “Terra do Sarney”, é o porquê das nomeações de pessoas ainda vivas às ruas, praças, pontes, bairros, avenidas e etc. Parece-me, salvo engano, que tal viabilidade só poderia ocorrer após a morte do sujeito. Mas, falando como a juventude da internet, deixemos em OFF o ON da situação. Só não posso deixar em OFF é a natação praticada pelos sacos de lixo e ratazanas lá pelo lado do Mercado Central quando há qualquer evidência de forte chuva, todos ficando ilhados, todos ficando mal-amados, com uma bela vista em cor marrom de uma água empoeirada, metaforicamente. Mas toda essa água imunda não se confunde ao cheirinho de peixe intrínseco à parada de ônibus contígua ao Mercado do Peixe. E esse cheirinho de peixe é algo que não pode acabar, nem mesmo por uma nova emenda constitucional que o tente dizimar. Esse cheiro impregna-me de toda a minha infância, fazendo-me lembrar os tempos em que acordava bem cedinho para ir à escola, em plena puberdade do ensino médio. Era um menino sem nenhuma malícia, salvo a do desejo sexual pelas colegas mais bonitas, o que é comum de todo jovem nessa idade. E ainda hoje quando pego o coletivo na mesma parada, sinto aquele cheirinho de peixe. Esse cheiro que exaspera muitas narinas já se tornou patrimônio cultural da minha humanidade e tenho certeza que de muitas humanidades alheias.
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