“Vivemos num mundo onde não fazemos o que queremos fazer, mas sim o que a convenção humana convencionou. Somos obrigados a fazer o que o Estado manda. Vivemos num mundo onde, se não temos nada somos marginalizados, somos olhados com olhares desprezantes, somos olhados de soslaio. Vivemos num mundo que, se temos algo, sobretudo monetário, somos babados, bajulados, estereotipados e, mormente, idolatrados” ANDERSON COSTA

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Algo vernáculo

Na cidade onde moro há ruas como nas demais cidades dos demais países. Citar-lhos-ei algumas das ruas que por aqui persistem: uma delas, onde moro, nem rua é, mas a considero como tal. É a chamada Travessa do Portinho, cheia de mexericagem e de músicas de má qualidade, umas iguarias musicais tidas como arte, uns berros de proveniência interiorana e etc. As pessoas residentes nessa travessa foram exclusivamente selecionadas por um não sei o quê de sensibilidade malévola. Há desde cachaceiro à homoafetivo, todos agrupados na coluna vertebral da Travessa do Portinho-Centro. Há a Rua da Palma que se estende desde o consumir dos viciados até a nobreza puritana do bairro. Pode-se acreditar nisso? Tanta bipolaridade numa mesma rua? De um lado o povo, os camponeses. Do outro a nobreza feudal, os semideuses.
No fim desta mesma rua há ainda eflúvios de uma nova invasão holandesa, de uma nova saqueação à Bizantina Igreja do Desterro, sem contar que todos os residentes deste setor têm direito aos espólios do Marquês de Pombal, desde as nossas pigmentações à identidade cultural, sem falar das donas cicranas que se sentam às portas na expectativa de uma novidade, de uma maledicência.
Outra curiosa rua é a de Afonso Pena, resumida somente numa ladeira, desde o céu ao “inferninho”, lugar este de muitas extravagâncias, da concentração de bêbados cantores, de prostitutas assíduas, dos fregueses emancipados e das cachimbadas dos usuários. Imagine só a riqueza que possui tal rua? É algo que lembra os arredores de um Éden enxovalhado com os seus sisudos farofeiros da Ponta D’areia.
Uma curiosidade que sempre tive em relação à cidade onde moro, São Luís do Maranhão, que perdeu tal nomeação para a “Terra do Sarney”, é o porquê das nomeações de pessoas ainda vivas às ruas, praças, pontes, bairros, avenidas e etc. Parece-me, salvo engano, que tal viabilidade só poderia ocorrer após a morte do sujeito. Mas, falando como a juventude da internet, deixemos em OFF o ON da situação. Só não posso deixar em OFF é a natação praticada pelos sacos de lixo e ratazanas lá pelo lado do Mercado Central quando há qualquer evidência de forte chuva, todos ficando ilhados, todos ficando mal-amados, com uma bela vista em cor marrom de uma água empoeirada, metaforicamente. Mas toda essa água imunda não se confunde ao cheirinho de peixe intrínseco à parada de ônibus contígua ao Mercado do Peixe. E esse cheirinho de peixe é algo que não pode acabar, nem mesmo por uma nova emenda constitucional que o tente dizimar. Esse cheiro impregna-me de toda a minha infância, fazendo-me lembrar os tempos em que acordava bem cedinho para ir à escola, em plena puberdade do ensino médio. Era um menino sem nenhuma malícia, salvo a do desejo sexual pelas colegas mais bonitas, o que é comum de todo jovem nessa idade. E ainda hoje quando pego o coletivo na mesma parada, sinto aquele cheirinho de peixe. Esse cheiro que exaspera muitas narinas já se tornou patrimônio cultural da minha humanidade e tenho certeza que de muitas humanidades alheias.



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