“Vivemos num mundo onde não fazemos o que queremos fazer, mas sim o que a convenção humana convencionou. Somos obrigados a fazer o que o Estado manda. Vivemos num mundo onde, se não temos nada somos marginalizados, somos olhados com olhares desprezantes, somos olhados de soslaio. Vivemos num mundo que, se temos algo, sobretudo monetário, somos babados, bajulados, estereotipados e, mormente, idolatrados” ANDERSON COSTA

domingo, 17 de julho de 2011

LICENÇA PARA ROUBAR

Revista Veja edição 2222 – ano 44 – n°25
22 de junho de 2011

Finalmente, pode-se dizer que algo nos preparativos para a Copa de 2014 está dentro do previsto: o comportamento do governo em relação às obras obedece com rigor e precisão a tudo o que os especialistas em controle de gastos públicos haviam antecipado. Primeiro, adia-se até o limite do suportável o início das construções. Então, na antevéspera do campeonato, “descobre-se” que está tudo atrasado e que é preciso acelerar o andamento dos trabalhos sob pena de não haver Copa alguma e o país protagonizar O Grande Vexame. Conclusão inelutável: é preciso afrouxar a fiscalização e inventar “jeitinhos” de o dinheiro sair mais rápido. Na semana passada, a Câmara dos Deputados ajudou o governo a avançar mais um passo nesse roteiro. Os deputados aprovaram o texto básico da medida provisória (MP) que altera as regras de licitações e abre espaço para o encarecimento das obras e a diminuição da fiscalização.

Tudo nessa MP é um descalabro. Mas a mudança mais deletéria, e acintosa, é a que substitui o critério objetivo de escolher uma empresa segundo o preço e as condições que ela oferece pelo critério nada objetivo de selecioná-la de acordo com o que acha uma comissão apontada pelo governo. Pelo texto aprovado, cabe a essa comissão atribuir às empresas e suas propostas “notas técnicas”, que têm mais peso no resultado do que os orçamentos e projetos apresentados. Esse modelo de licitação sempre existiu, mas com exceção – apenas para casos de projetos culturais ou obras que requerem grande especialização. Nas vezes em que o modelo foi indevidamente utilizado, como por ocasião da licitação para a construção dos aeroportos da Infraero, ficou evidente que não funcionava. O jogo de cartas marcadas fez com que cada empresa concorrente levasse um aeroporto. Ou seja, todo mundo saiu ganhando (menos o contribuinte, é claro). É isso que se teme que ocorra novamente caso a oposição não consiga retirar da MP os pontos mais problemáticos – como o que permite o decreto de sigilo sobre os orçamentos das obras da Copa. Essa parte do projeto foi inserida na calada da noite pelo relator José Guimarães (aquele petista cujo assessor foi flagrado com dólares na cueca), mas o governo nega que ela tenha o objetivo de esconder informações. Em suas ações, no entanto, sinaliza o contrário: o ministro do Esporte, Orlando Silva, já declarou que quer retirar também da internet os dados sobre as obras em andamento.

Breve digressão histórica: na denúncia do mensalão, a Procuradoria-Geral da República listou as irregularidades verificadas na contratação, por órgãos do governo, da agência de publicidade do ex-carequinha Marcos Valério. Lá estavam: licitação subjetiva, serviços em uma mesma empresa. Tudo de que a Copa de 2014 não precisa é uma inspiração mensaleira.