Já sonhei demais, já quis ser rico, já quis almoçar numa imensa mesa de fartura com os meus irmãos mendigos, famintos, já quis ser político para acabar com a discriminação empregatícia, com o desprezo que se é dado a algumas profissões, com o olhar de desdém que se é voltado para uma determinada classe. Já quis viver somente para a leitura, já quis até ser poeta, já quis dá valor ao que não é mais valorizado, já quis ouvir Mozart enquanto outros ouviam um tal de arrocha. Já quis acordar tarde, sem preocupação de qualquer ofício. Já quis fazer reivindicações, já quis fazer a lei valer. Já quis aprender como o Charlie Chaplin aprendeu, lutar como lutou Martin Luther King, vencer como venceu Zumbi dos Palmares, fazer os fins justificar os meios como o fez Maquiavel, já quis ter um pouco da arrogância do Bonaparte, deixar de ouvir baboseiras e ficar surdo qual ficou Beethoven. Já quis largar de estudar, de decorar, de ter que me preocupar com a forma de ganhar dinheiro, já quis poder dá cem reais a um catador de lixo, destituir os poderosos do poder, destronar o Sarney, viver como o Chico Mendes, ganhar dinheiro como Bill Gates, profetizar como Jesus Cristo, aprender como um aluno comportado. Já quis e quero ainda muitas coisas. Mas, de chofre, o que quero é sonhar com dias melhores. Com menos famintos espalhados, com o fim da concentração de renda e, sobretudo, com o fim da segregação.
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