“Vivemos num mundo onde não fazemos o que queremos fazer, mas sim o que a convenção humana convencionou. Somos obrigados a fazer o que o Estado manda. Vivemos num mundo onde, se não temos nada somos marginalizados, somos olhados com olhares desprezantes, somos olhados de soslaio. Vivemos num mundo que, se temos algo, sobretudo monetário, somos babados, bajulados, estereotipados e, mormente, idolatrados” ANDERSON COSTA

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Desterro

por Anderson Costa

As tardes desterrenses ainda carregam nos lombos resquícios poéticos, estórias seculares, mexericos rotineiros, crenças, por vezes incrédulas, a Nossa Senhora do Desterro, nostalgias sem saudades, olhares de afeição rotineiramente lançados pela torre bizantina da Igreja cujo nome é o mesmo desse título, e o amarelo do mijo atrelado culturalmente às narinas e ao corpo do bairro qual pano branco no corpo de mal cuidada criança. Há quem reclame do fétido odor do mijo impregnado nas calçadas, o qual certamente dera o ar da graça no ensejo proporcionado pelas silentes madrugadas que têm seus tédios muitas vezes quebrados pelo apitar intervalado e sem qualquer modulação proveniente do vigia da rua, assim como pelas brigas e assaltos cometidos por viciados, na mesma quantia que há por aqui, na Travessa do Portinho. Mas, voltando ao mijo, há também quem não vê, apesar de não ser nada higiênico, o ar poético por ele proporcionado, concretizando nas férteis imaginações (de quem se deixa levar obviamente) silhuetas amargas de boêmios, de algum Nauro, de algum João, de algum Ribeiro.

Todavia, o néctar desterrense se resume no canto da padaria, cuja  proprietária se chama Dona Maria, onde rolam as conversas despretensiosas e paralelas, as persignações dadas às três e meia, os berreiros interioranos, as lembranças do que acontecera na última rodada de chope e os ameaçados de serem processados por qualquer injúria oriunda desta mexericagem.

O impressionante é o canto à capela feito sempre às tardes, homenageando-as, e o fiz citando as tardes desterrenses. Por que as tardes? Pelo vício crepuscular erigidos pelos poetas? Talvez sim. Talvez não. Mas, atinente ao Desterro, sobretudo aos domingos, nada é mais importante que as manhãs, entoadas semanalmente bem cedinho pelas bimbalhadas a indicarem iminente missa e com serventia de um inconveniente despertador. Por isso reitero: aos domingos as manhãs são de suma importância. Todavia, ainda há as bimbalhadas lúgubres (dando valor, não o monetário, às tardes) a informar com os devidos pêsames o falecimento de algum devoto, de algum desterrense, independentemente de simplório ou concupiscente. Porém, essa peleja entre manhã e tarde é anulada totalmente pelos dobrados que de longe provém. É a Banda do Bom Menino que anuncia o início da formal manhã e o finzinho de tarde com o hino da Fundação José Sarney, prédio público, tombado e, agora, imoralmente “privado”.
CONTINUA... 

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