Anderson Costa
Para
os neoliberais, “o lucro é Deus”, não o bem público. O capitalismo não é,
essencialmente, bondoso. Os plurocratas não são, essencialmente, filantrópicos,
mesmo que alguns indivíduos possam sê-lo. No capitalismo, o motor das políticas
é a demanda insaciável pelo lucro, não a riqueza, o bem público social ou
comum. (HILL. D., p.26)
Para falar em neoliberalismo,
primeiramente e, de antemão, deve-se falar em Estado, objeto pertinente e do
interesse de muitos estudiosos de outrora, como Hobbes, em Leviatã, e John
Locke, no Segundo tratado sobre o governo, onde expõem e explicitam as
respectivas nuanças teóricas que balizam o Estado, por exemplo. Porém, é bom
lembrar que, até hoje, o Estado continua sendo estudado e exposto teoricamente
por muitos contemporâneos focados na elucidação desse fenômeno que se originara
a partir do contratualismo engendrado por aqueles que buscavam proteção não só contra
a “lei” do Estado de Natureza, mas a de suas respectivas propriedades contra
rapinadores, vigentes em demasia quando da época em que vigorava o estado de
natureza.
Mas, o que vem a ser Estado?
Ora, ao se falar em Estado, o que vem à superfície cognitiva de qualquer pessoa
é algo que lembre ou se assemelhe à “política”, governo e/ou eleição. Todavia,
o Estado, cotidianamente, é configurado como uma entidade com poder soberano
para governar um povo dentro de uma área territorial delimitada. Por isso,
devido ao poder soberano que lhe é atribuído, é que há a devida intervenção (por
ele fornecida) quando estão em xeque os seus interesses. Porém, “essas teorias
de intervenção estatal começam a dar sinais de desgaste devido às frequentes
dificuldades dos Estados em arcar com as responsabilidades sociais assumidas.”
(ARANHA, p.261). Por isso, “desde a década de 40 alguns teóricos, como o
austríaco Friedrich von Hayek (1899), defendiam o retorno às medidas liberistas
do livre mercado.”(ibidem, p. 261)
Pode-se dizer, a partir daí,
que o neoliberalismo, grosseiramente falando, configura-se como uma abertura
comercial, como a entrada de multinacionais em determinados territórios que se
deixam penetrar com o escopo econômico-privado do lucro. O Brasil, apesar de
ser neoliberal, não nascera como tal. Ele passara, segundo a historiografia
tradicional, por diversificados governos, muitos deles populares e
nacionalistas, como o de Getúlio Vargas, por exemplo.
Há quem afirme que a semente do
sistema neoliberal tenha sido plantada por Fernando Collor, mas, se a história
brasileira for verifica com o devido cuidado, perceber-se-á que o neoliberalismo
tivera sua semente plantada, de início, no governo de Juscelino Kubitschek (JK),
já que nele foram implantados em território brasileiro grandes pólos
automobilísticos, oriundos de países estrangeiros, pois “apesar do nome, a
política de expansão industrial do presidente não teve nada de nacionalista.
Foi, pelo contrário, repleta de medidas de desnacionalização.” (HISTÓRIA
VESTIBULAR + ENEM 2011, p. 133), ou seja, menos intromissão estatal e maior
envolvimento privado, por isso, quando se fala em governo neoliberal, fala-se
concomitantemente em desestatizações e privatizações. Pode-ser ver isso:
A
partir da década de 80, os governos de Reagan e depois Bush, nos Estados
Unidos, e de Margareth Thatcher na Inglaterra são representantes da nova onda
neoliberal. No Brasil a tendência se confirma nos processos de privatização de
organismos estatais e abolição da reserva de mercado. Mas contraditoriamente
esbarra em outras medidas de nítida intervenção estatal (muitas vezes
exacerbadas) como a dos sucessivos planos heterodoxos de controle da economia
para conter a inflação. (ARANHA, p.261)
Portanto, juntamente com o neoliberalismo
vêm entranhadas as ideias de progresso e produtividade, e, antes de mais nada,
pode-se afirmar com veemência que o neoliberalismo é o carro-chefe do capitalismo,
com a devida intervenção do Estado, a fim de eliminar tudo aquilo que
possa obstruir o livre funcionamento do mecanismo de preços livremente
formados, como o combate aos agrupamentos de produtores, carteis ou trustes
nacionais ou internacionais, consubstanciando tudo isso uma doutrina estatal
fundamental ao neoliberalismo.
Não obstante, já no que
concerne ao Estado-mínimo, vê-se, no mundo todo, com a fortificação desse sistema
em questão, o enfraquecimento dos governos e o fortalecimento da iniciativa
privada. É a livre concorrência, é o lucro, é o crescimento em produção dos
“senhores de engenho”, é a avareza e o péssimo serviço prestado à coletividade,
já que este deveria ser o segmento mais privilegiado pelo Estado. Mas, como é
de praxe, concretizado e visto a olho nu, não se vê essa assistência que
deveria ser direcionada ao coletivo.
Pelo menos teoricamente
falando, um dos focos precípuos do Estado seria o bem-estar social, mas, eis
que daí surgira, a partir de uma boa jogada estratégica lançada pelos
neoliberais quando da crise do petróleo de 1973, a aglutinação de muitos problemas sociais e, no aproveito do
ensejo, neoliberais puseram a culpa de tamanha crise na política que visava ao
bem-estar social, vingando daí até os dias de hoje essa política não muito
benfazeja em relação à decrepitude vigente no espaço social, já que o “interesse
privado geralmente não coincide com o
bem coletivo.” (MARIA HELENA, p.270), como já fora supradito.
Ademais, essa gama de
“malefícios” originados pelo sistema neoliberal é explicitamente exposta sob a
égide da globalização e da produção desenfreada, voltadas ao lucro exorbitante
de empresários sedentos e ambiciosos, detentores dos meios de produção e filhos
legítimos do neoliberalismo e seus lados obscuros, como asseveram Mara Lúcia de
Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins no livro intitulado Filosofando,
Introdução à Filosofia: “um dos lados sombrios do capitalismo está, portanto,
na má distribuição de renda, com concentração de riqueza em poucos países
ricos, e nestes, nos pequenos grupos privilegiados. Em decorrência, não há como
evitar os focos de pobreza e miséria, e ainda desemprego, migrações,
marginalizações de jovens e velhos, surtos inflacionários reprimidos por
recessão longa e dolorosa.”
Vê-se então que o neoliberalismo,
além de suas intenções econômico-lucrativas, está embasada em intumescidos
problemas, sobretudo sociais, já que aquilo que é privado constrói-se sobre o
epitáfio e em detrimento do coletivo, pois, “com o grande poder vem a grande
irresponsabilidade. Assim os serviços públicos privatizados, como o sistema de
transporte ferroviário, os serviços de saúde e educação e o fornecimento grátis
de água potável são geridos para maximizar os lucros de seus acionistas, em vez de prestar serviços
públicos, ou para permitir o desenvolvimento sustentável do Terceiro Mundo ou para a integridade e crescimento
econômico nacional; estes objetivos não fazem parte do programa de globalização
, e nem mesmo, dos planos do capital
neoliberal nacional.”(HILL. D., p.26).
A globalização,
incontestavelmente, anda de mãos dadas com o neoliberalismo, ambas convergindo
e se alimentando dos mesmos interesses, assim como ambas funcionando como
pilares sustentadores do sistema que lhes dá embasamento:
a
globalização não é um fenômeno qualitativamente novo mas uma tendência, que
sempre
foi integral para o crescimento do capitalismo... Dentro do paradigma marxista existe um
crescente reconhecimento da relevância do relato de Marx exposto no Manifesto
Comunista que a globalização é o resultado previsível das tendências
expansionistas do capitalismo evidentes desde que emergiu como uma forma viável
da sociedade (Raduntz, 2002)
Portanto, o neoliberalismo,
sobretudo no Brasil, foca tão somente os benefícios próprios, devorando tudo
aquilo que venha de encontro aos seus ideais lucrativos, como acontece com o
meio ambiente, por exemplo, visto que, com tal sistema sendo, ferrenhamente, o
“contraponto da evolução tecnológica, ocorre a destruição do meio ambiente e o
desequilíbrio ecológico, pois a lógica do interesse privado geralmente não
coincide com o bem coletivo.” (ARANHA, p. 270).
O que fazer então, se esse
sistema privilegia somente a minoria, enquanto a maioria passa por sucessivas e
cotidianas intempéries negativas, mormente no Brasil, onde a concentração de
renda atinge níveis alarmantes? O que esperar de um sistema que tende a
rejeitar o Estado assistencialista - que teoricamente significa a contradição
com o livre mercado -, mas que bem ou mal tem ajudado a minorar as dificuldades
dos trabalhadores? Fica então a reflexão, de forma contundente e assertiva,
exposta no livro Filosofando, Introdução à filosofia, de Maria Lúcia Arruda
Aranha e Maria Helena Pires Martins (1993, p.270): “Daqui para frente, na selva do ‘salve-se quem puder’, onde já sabemos
de antemão que as chances no ponto de partida não são iguais, a tendência é o
recrudescimento dos problemas sociais.” Ou seja, enquanto tal sistema
vigorar com força total, as desigualdades vigentes em todo o espaço mundial e,
mormente, nacional, serão corporificadas com mais coesão e, sem sombras de
dúvidas, mais robustas ficarão, pois o social jamais será o interesse primário
do neoliberalismo, mas unicamente o livre mercado com seu capital lucrativo e
sua abastança monetária.