“Vivemos num mundo onde não fazemos o que queremos fazer, mas sim o que a convenção humana convencionou. Somos obrigados a fazer o que o Estado manda. Vivemos num mundo onde, se não temos nada somos marginalizados, somos olhados com olhares desprezantes, somos olhados de soslaio. Vivemos num mundo que, se temos algo, sobretudo monetário, somos babados, bajulados, estereotipados e, mormente, idolatrados” ANDERSON COSTA

quarta-feira, 6 de março de 2013

UM BRASIL NEOLIBERAL, O PRIVADO OU O COLETIVO?



                                                                 Anderson Costa 
Para os neoliberais, “o lucro é Deus”, não o bem público. O capitalismo não é, essencialmente, bondoso. Os plurocratas não são, essencialmente, filantrópicos, mesmo que alguns indivíduos possam sê-lo. No capitalismo, o motor das políticas é a demanda insaciável pelo lucro, não a riqueza, o bem público social ou comum. (HILL. D., p.26)

Para falar em neoliberalismo, primeiramente e, de antemão, deve-se falar em Estado, objeto pertinente e do interesse de muitos estudiosos de outrora, como Hobbes, em Leviatã, e John Locke, no Segundo tratado sobre o governo, onde expõem e explicitam as respectivas nuanças teóricas que balizam o Estado, por exemplo. Porém, é bom lembrar que, até hoje, o Estado continua sendo estudado e exposto teoricamente por muitos contemporâneos focados na elucidação desse fenômeno que se originara a partir do contratualismo engendrado por aqueles que buscavam proteção não só contra a “lei” do Estado de Natureza, mas a de suas respectivas propriedades contra rapinadores, vigentes em demasia quando da época em que vigorava o estado de natureza.

Mas, o que vem a ser Estado? Ora, ao se falar em Estado, o que vem à superfície cognitiva de qualquer pessoa é algo que lembre ou se assemelhe à “política”, governo e/ou eleição. Todavia, o Estado, cotidianamente, é configurado como uma entidade com poder soberano para governar um povo dentro de uma área territorial delimitada. Por isso, devido ao poder soberano que lhe é atribuído, é que há a devida intervenção (por ele fornecida) quando estão em xeque os seus interesses. Porém, “essas teorias de intervenção estatal começam a dar sinais de desgaste devido às frequentes dificuldades dos Estados em arcar com as responsabilidades sociais assumidas.” (ARANHA, p.261). Por isso, “desde a década de 40 alguns teóricos, como o austríaco Friedrich von Hayek (1899), defendiam o retorno às medidas liberistas do livre mercado.”(ibidem, p. 261)

Pode-se dizer, a partir daí, que o neoliberalismo, grosseiramente falando, configura-se como uma abertura comercial, como a entrada de multinacionais em determinados territórios que se deixam penetrar com o escopo econômico-privado do lucro. O Brasil, apesar de ser neoliberal, não nascera como tal. Ele passara, segundo a historiografia tradicional, por diversificados governos, muitos deles populares e nacionalistas, como o de Getúlio Vargas, por exemplo.

Há quem afirme que a semente do sistema neoliberal tenha sido plantada por Fernando Collor, mas, se a história brasileira for verifica com o devido cuidado, perceber-se-á que o neoliberalismo tivera sua semente plantada, de início, no governo de Juscelino Kubitschek (JK), já que nele foram implantados em território brasileiro grandes pólos automobilísticos, oriundos de países estrangeiros, pois “apesar do nome, a política de expansão industrial do presidente não teve nada de nacionalista. Foi, pelo contrário, repleta de medidas de desnacionalização.” (HISTÓRIA VESTIBULAR + ENEM 2011, p. 133), ou seja, menos intromissão estatal e maior envolvimento privado, por isso, quando se fala em governo neoliberal, fala-se concomitantemente em desestatizações e privatizações. Pode-ser ver isso:

A partir da década de 80, os governos de Reagan e depois Bush, nos Estados Unidos, e de Margareth Thatcher na Inglaterra são representantes da nova onda neoliberal. No Brasil a tendência se confirma nos processos de privatização de organismos estatais e abolição da reserva de mercado. Mas contraditoriamente esbarra em outras medidas de nítida intervenção estatal (muitas vezes exacerbadas) como a dos sucessivos planos heterodoxos de controle da economia para conter a inflação. (ARANHA, p.261)

Portanto, juntamente com o neoliberalismo vêm entranhadas as ideias de progresso e produtividade, e, antes de mais nada, pode-se afirmar com veemência que o neoliberalismo é o carro-chefe do capitalismo, com a devida  intervenção  do Estado, a fim de eliminar tudo aquilo que possa obstruir o livre funcionamento do mecanismo de preços livremente formados, como o combate aos agrupamentos de produtores, carteis ou trustes nacionais ou internacionais, consubstanciando tudo isso uma doutrina estatal fundamental ao neoliberalismo.

Não obstante, já no que concerne ao Estado-mínimo, vê-se, no mundo todo, com a fortificação desse sistema em questão, o enfraquecimento dos governos e o fortalecimento da iniciativa privada. É a livre concorrência, é o lucro, é o crescimento em produção dos “senhores de engenho”, é a avareza e o péssimo serviço prestado à coletividade, já que este deveria ser o segmento mais privilegiado pelo Estado. Mas, como é de praxe, concretizado e visto a olho nu, não se vê essa assistência que deveria ser direcionada ao coletivo.

Pelo menos teoricamente falando, um dos focos precípuos do Estado seria o bem-estar social, mas, eis que daí surgira, a partir de uma boa jogada estratégica lançada pelos neoliberais quando da crise do petróleo de 1973, a aglutinação de  muitos problemas sociais e, no aproveito do ensejo, neoliberais puseram a culpa de tamanha crise na política que visava ao bem-estar social, vingando daí até os dias de hoje essa política não muito benfazeja em relação à decrepitude vigente no espaço social, já que o “interesse privado geralmente  não coincide com o bem coletivo.” (MARIA HELENA, p.270), como já fora supradito.

Ademais, essa gama de “malefícios” originados pelo sistema neoliberal é explicitamente exposta sob a égide da globalização e da produção desenfreada, voltadas ao lucro exorbitante de empresários sedentos e ambiciosos, detentores dos meios de produção e filhos legítimos do neoliberalismo e seus lados obscuros, como asseveram Mara Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins no livro intitulado Filosofando, Introdução à Filosofia: “um dos lados sombrios do capitalismo está, portanto, na má distribuição de renda, com concentração de riqueza em poucos países ricos, e nestes, nos pequenos grupos privilegiados. Em decorrência, não há como evitar os focos de pobreza e miséria, e ainda desemprego, migrações, marginalizações de jovens e velhos, surtos inflacionários reprimidos por recessão longa e dolorosa.”

Vê-se então que o neoliberalismo, além de suas intenções econômico-lucrativas, está embasada em intumescidos problemas, sobretudo sociais, já que aquilo que é privado constrói-se sobre o epitáfio e em detrimento do coletivo, pois, “com o grande poder vem a grande irresponsabilidade. Assim os serviços públicos privatizados, como o sistema de transporte ferroviário, os serviços de saúde e educação e o fornecimento grátis de água potável são geridos para maximizar os lucros  de seus acionistas, em vez de prestar serviços públicos, ou para permitir o desenvolvimento sustentável do Terceiro  Mundo ou para a integridade e crescimento econômico nacional; estes objetivos não fazem parte do programa de globalização , e nem mesmo, dos planos  do capital neoliberal nacional.”(HILL. D., p.26).

A globalização, incontestavelmente, anda de mãos dadas com o neoliberalismo, ambas convergindo e se alimentando dos mesmos interesses, assim como ambas funcionando como pilares sustentadores do sistema que lhes dá embasamento:

a globalização não é um fenômeno qualitativamente novo mas uma tendência, que sempre 
foi integral para o crescimento do capitalismo...  Dentro do paradigma marxista existe um crescente reconhecimento da relevância do relato de Marx exposto no Manifesto Comunista que a globalização é o resultado previsível das tendências expansionistas do capitalismo evidentes desde que emergiu como uma forma viável da sociedade (Raduntz, 2002)

Portanto, o neoliberalismo, sobretudo no Brasil, foca tão somente os benefícios próprios, devorando tudo aquilo que venha de encontro aos seus ideais lucrativos, como acontece com o meio ambiente, por exemplo, visto que, com tal sistema sendo, ferrenhamente, o “contraponto da evolução tecnológica, ocorre a destruição do meio ambiente e o desequilíbrio ecológico, pois a lógica do interesse privado geralmente não coincide com o bem coletivo.” (ARANHA, p. 270).

O que fazer então, se esse sistema privilegia somente a minoria, enquanto a maioria passa por sucessivas e cotidianas intempéries negativas, mormente no Brasil, onde a concentração de renda atinge níveis alarmantes? O que esperar de um sistema que tende a rejeitar o Estado assistencialista - que teoricamente significa a contradição com o livre mercado -, mas que bem ou mal tem ajudado a minorar as dificuldades dos trabalhadores? Fica então a reflexão, de forma contundente e assertiva, exposta no livro Filosofando, Introdução à filosofia, de Maria Lúcia Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins (1993, p.270): “Daqui para frente, na selva do ‘salve-se quem puder’, onde já sabemos de antemão que as chances no ponto de partida não são iguais, a tendência é o recrudescimento dos problemas sociais.” Ou seja, enquanto tal sistema vigorar com força total, as desigualdades vigentes em todo o espaço mundial e, mormente, nacional, serão corporificadas com mais coesão e, sem sombras de dúvidas, mais robustas ficarão, pois o social jamais será o interesse primário do neoliberalismo, mas unicamente o livre mercado com seu capital lucrativo e sua abastança monetária.

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